Conhecendo de onde venho para escolher para aonde eu vou...


Quero falar sobre o meu pai. Hoje já o reconheço como meu pai e sinto uma gratidão profunda. Ele me deu a vida. O resto é comigo. Claro que deixou muitas feridas e um buraco gigante na minha criança ferida. Mas ele me deu a vida. Basta.

Aos 12 anos eu o vi. Foi a única vez. Eu estava deslumbrada. Ele foi o grande amor da minha mãe, logo, ela nunca falou mal dele para mim. Pelo contrário.

Nesse dia, era setembro de 1998. A vó fez aquele bolo de fubá, compramos guaraná. Contei pra vizinhança. Escolhi minha melhor roupa. Separei todos os meus boletins (sempre fui CDF, educação é um valor lá em casa). Não sei dizer o que ele disse. Eu estava tão encantada, tão apaixonada. Eu sonhei muito com aquele dia. Os seguintes não foram legais. Eu juntava moeda e comprava ficha. Ia pro orelhão da esquina para ligar. A vó e a tia não gostavam que eu ligasse. Elas sabiam que ele não ia voltar. E ele não voltou.

Aí veio uma dor, dor de abandono concreto. Ele me viu, me conheceu. Ainda assim não quis voltar. Pensei porque eu não merecia seu amor. Chorei muito. A Dayane enxugou muitas lágrimas. A vó me acolheu com seu amor genuíno. Passei por essa. Segui.

Nos dias dos pais, sempre fazia vários presentes e entregava pros meus tios, em especial, tio Geraldo e Tio Paulo. Sempre foram minhas referências paternas. Tio Geraldo na primeira infância, tio Paulo na adolescência e até hoje.

Aos 26, após já ter perdido a Vó e a Tia Irene, mergulhada num luto profundo, conheci a Nat. Fui chefe dela na internação, lugar frio, doído, diria, até sombrio. Mas cheio de vida. Ela tirou uma carta pra mim. Dali em diante gamei na amizade dela. E foi ela, que um dia, em Taguatinga, me disse que eu devia ir atrás do meu pai. Que não devia temer o abandono porque era adulta e não sofreria como quando tinha 12 anos. Isso não saiu da minha cabeça.

Vida que segue. Engravidei. Sou assistente social e todos, TODOS os dia luto pelos direitos das pessoas que passam pela minha vida profissional. Muitos, mais que 90% dos adolescentes que acompanham não convivem com seus pais. Me toquei que o meu abandono não ficaria só em mim. A certidão de nascimento do Miguel não teria o nome do avô materno. Então, resolvi ir atrás. Haja terapia para ganhar força e coragem.

Primeiro passo foi falar com meu irmão João. Afinal, o pai dele também é ausente. Pedi permissão. Mexer na minha história mexeria com a dele. E ele, como sempre, me apoiou. Falei com a mãe, ela também apoiou e sei o quanto isso mexeu com ela.

Nessa história toda, meu ex-marido me levou um encarte do CNJ falando de um Programa chamado Pai Presente, que serve para apoiar o reconhecimento tardio da paternidade, direito civil super negado no nosso país. Assistiu no Fantástico uma cena sobre o programa. Fiquei encantada.

Fui ao cartório de Sobradinho, onde morava na época. Chegando lá, ninguém conhecia o programa. Voltei com as resoluções, instrumentais, tudo. Ainda assim não me atenderam. A resposta? Nunca tinham feito. Ainda tive que ouvir julgamento. Tava barriguda já. Fui pro carro e chorei feito criança. Liguei para Lúcia Helena, uma promotora amiga. Ela me passou o contato de outra promotora que lida com filiação. Mas eu não queria ir direto no Ministério Público. Poxa, existe um programa que passa em rede nacional e ele não funciona? Como vou orientar as pessoas que atendo a procurar o cartório e saber que elas não serão atendidas? Mandei um super e-mail para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e para a Ouvidoria do TJDFT, dizendo:

Prezados, bom dia!

Venho por meio deste e-mail registrar a minha grande frustração no que diz respeito ao reconhecimento de paternidade. Há algum tempo assisti uma reportagem no fantástico sobre o Programa Pai Presente e fiquei extremamente contente como um programa como esse.

Hoje, tenho 28 anos de idade, sou casada e estou na minha primeira gestação. Esse é um momento muito especial. Ao pensar sobre meu filho, me dei conta que o não reconhecimento da minha paternidade é algo que não fica somente comigo, pois o meu filho não terá o nome do avô materno na sua certidão de nascimento. Assim, motivada por essa situação e levando em conta toda a minha história de vida, bem como o fato de eu ser assistente social e trabalhar na luta diária pela garantia dos direitos das pessoas que acompanho, enquanto servidora pública, resolvi buscar o reconhecimento da minha paternidade. 

Então, começaram as dificuldades. Li um pouco sobre o programa no site do CNJ e fui à Vara de Família e Defensoria Pública de Planaltina e , para minha surpresa, ninguém conhecia o programa. Pois bem, verifiquei, conforme o provimento nº. 16/2012 da Corregedoria do CNJ, que eu, como maior de idade, poderia procurar o Cartório mais próximo da minha residência e preencher o "Termo de Indicação de Paternidade". Caberia ao cartório, encaminhar esse documento ao Juiz para que fossem tomadas as providências necessárias.

Por conseguinte, na data de hoje, fui ao 2° Ofício de Notas, Protesto, Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas do DF, localizado em Sobradinho/DF. Já ciente de que poderia não conseguir o desejado, levei em mãos a Cartilha do CNJ e o Provimento nº 16, bem como o termo de indicação. Fui atendida e fiquei um bom tempo tendo que explicar do que se tratava, pois no Cartório a atendente desconhecida essa situação, visto que as pessoas que vão lá geralmente vão registrar crianças ou os próprios pais vão para reconhecer a paternidade. O meu caso não se aplica nessas situações, pois sou  maior de idade, meu pai não tem o desejo de reconhecer minha paternidade, e perdi o contato com ele. O conheci quando tinha 12 anos de idade e ele optou por não assumir suas responsabilidades paternas. Desde então, perdi o contato. No entanto, tenho o nome completo, data de nascimento, nome dos pais, número do RG e sei que ele residia em Goiânia, apesar de não ter o endereço e o telefone.

Por fim, após longa conversa falei com outra funcionária, Meire, que me explicou que o Cartório nunca tinha feito esse tipo de "pedido" e, portanto, desconhecia como funcionava. Argumentei que estava com o provimento em mãos, explicando tudo. Ela me pediu para aguardar em casa, pois teria que falar com o Tabelião, Sr. Virgílio, e que ele não estava no momento no Cartório. Deixei os meus contatos e voltei para a casa, mais uma vez, com a sensação de frustração. 

Sou uma pessoa com nível superior, mestre, servidora pública e me considero informada sobre meus direitos. Se, mesmo com as informações, está difícil conseguir garantir o meu direito, imagine se eu fosse uma pessoa pouco esclarecida. Deixo aqui minha reflexão e meu desabafo. Vou aguardar a ligação do Cartório mencionado, mas também vou buscar a Promotoria de Justiça de Defesa da Filiação.

De qualquer modo, espero que esse relato para colaborar, de alguma maneira, com o aprimoramento do Programa Pai Presente e que não seja tão difícil buscar o reconhecimento da paternidade. Esse é um tema delicado, há vários aspectos subjetivos envolvidos e se trata da garantia de um direito civil.

Sem mais,
 Luana Souza”

Dois dias depois, o cartório me liga. TJDFT me responde. Ao me dirigir ao Cartório, tive que conter o riso. Tinha encartes sobre o Programa espalhados. Fui atendida lindamente. Tempos depois, teve audiência com a Promotora que minha amiga Lúcia havia me sugerido. Paguei pelo exame de DNA.
Quando Miguel tinha menos de um mês, chegou carta lá em casa. Minha mãe e eu fomos ao laboratório coletar o sangue. Meu pai morava em Goiânia. Não íamos nos encontrar nas audiências. Minha mãe ficou super mexida, claro. Eu também.

Quando Miguel tinha 45 dias de nascido, saí de carro sozinha de casa com ele, pela primeira vez. Fui para a audiência. Recebi o envelope. Ele era mesmo meu pai. Descobri o nome dos meus avós paternos. Descobri onde ele nasceu. A data de nascimento. Descobri que sou 50% nordeste (uhuuuuu). Entendi muitas coisas sobre mim. A cor da pele. Os cabelos ondulados. O sorriso, a testa grande. Vida que segue. Só queria o reconhecimento mesmo. Mudei documentos.

Quando voltei da licença maternidade fui para um curso de Comunicação Não Violenta com a minha amiga Lúcia, a promotora que falei mais acima. Numa das conversas de corredor, eu disse a ela que tinha conseguido o reconhecimento da paternidade. Ela me olhou e disse: “Era só isso que você queria?”. Porra Lúcia. Claro que não. Queria muito mais.

Passados alguns meses, tive o aborto. Sofri muito. Não sei por que, mas no meio desse processo doloroso, já me tratando de uma depressão, resolvi procurar meu pai. Minha amiga marida Ju estava ao meu lado quando tive coragem de ligar. A esposa dele que atendeu. Bomba. Ele tinha morrido há quase um ano. Choro, muito choro.

Na terapia, lembro de ter dito que “já era, ele morreu. Acabou. Agora o FDP me abandonou de vez”. A minha terapeuta disse que talvez pudesse ser um novo recomeço. Ela estava certa. Contei pra mãe. A mãe foi atrás dos meus irmãos. Mó história de detetive. Eu tive muito medo deles me odiarem, “me abandonarem”. Mas não. Uma nova vida se abriu bem quando decidi me separar.

Estamos nos conhecendo. São 04 irmãos, hoje, convivo com três. Sou a filha do meio, a única mulher. Tenho sobrinhos e sobrinhas lindas. Vou acompanhar o nascimento de um dos meus sobrinhos. Ajudei a preparar o chá de fralda. A mãe dos meus irmãos mais velhos é um AMOR. Super me acolheu. Na verdade, eu sou uma pessoa de muita sorte. Quanto mais conheço meus irmãos, mais conheço meu pai. E tenho muito ainda a desvendar nessa história. Com calma, no tempo que tem de ser. Pai, Seu Manoel, hoje eu já te perdoei. Sinto muito por não podermos ter tido uma última conversa. Eu realmente queria ter cuidado um pouco de você. Mas estamos conectados, para além desse plano espiritual. Seja luz! Amo você!


Desde que estou lidando com tudo isso, uma música passou a me acompanhar. Do Alok e Zeeba. HEAR ME NOW. Nem curto muito. Mas eu a ouvi a primeira vez e ela sempre me lembrava meu pai. Não sabia o porque. Vira e mexe essa música vinha e eu lembrava dele. Um dia, resolvi assistir ao clipe e tudo fez sentido. O universo e sua sincronicidade. A gente atrai o que vibra. E, graças aos orixás e a muita luta minha, eu tô vibrando muito amor e tenho recebido muito amor também. Se você ficou curioso, olha o clipe aê.


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