A vida sem você...

Esse vai doer. Esse é o luto que dói muito ainda. Falo da vó, do pai, da filha que perdi, tudo numa boa, sem doer tanto. Mas falar da tia Irene é tenso. Tô me libertando desse luto aos poucos. Bem aos poucos...

É difícil falar da Tia Irene. Que pessoa, que ser humana! Mãe do mundo. Vamos lá!

Nasci na casa onde ela morava. Também cuidou de mim desde sempre. A vó foi a primeira pessoa que me amou genuinamente (sem falar da minha mãe, óbvio). A tia a segunda.

Minha madrinha de batismo. Padrinho e madrinha na Igreja Católica tem o papel de ser pai e mãe na ausência destes. E ela foi. Por isso eu tenho tanto medo de ser madrinha, porque minha referência é muito top, rs!

Quando criança, eu tenho muitas memórias lindas. A tia tinha uma alegria contagiante. No Natal tinha “Na boca ou na roupa?”. A bicha fazia o povo beber na boca da garrafa. Comédia. Lembro das faxinas nos finais de semana ao som de SPC, Tim Maia. Minha fita do Mamonas Assassinas foi ela que me deu. “Sabão crá crá...”. Eu me escondia debaixo da cama dela quando via que ela estava voltando do trabalho, para assustar.... várias vezes ela entrava no quarto e batia na minha bunda e falava: “negona”, porque eu sou a mais preta da casa, hahahaha. Fazia o melhor kibe frito. Me deu os melhores presentes que já ganhei na vida. Cuidou muito de mim.

Eu comia as maquiagens dela. Me enchia de bijuteria. Me levava pra viajar. Me dava coisa escondida, hihihihi. Oh tia, que saudade do cê...

Aos 10 anos voltei a morar na vó com ela.  Aí ela meio que me assumiu de vez. Chegou a pensar em pedir minha guarda pra mãe, para me colocar no plano de saúde. Mas eu não quis. Ela respeitou. Aos 36 anos, casou com o Chispito. Lembro dos bombons afrodisíacos que ele dava pra ela. Na época eu nem sabia o que era isso. Comia todos. Lembro dela com o vestido vermelho (super sexy) indo trabalhar na ENAP. Ela era linda. Tinha os olhos mais profundos que conheci. Um tom mel esverdeado.

Pois bem. A vida foi acontecendo. A adolescência chegando. As preocupações aumentando. Ela teve vários abortos até conseguir ter a Helô. Que luta. Tenho cenas marcantes dessa fase. Aí veio a Lolokilda. Amor da nossa vida. Eu cuidei, minha boneca da vida real. Eu tinha 12 anos quando ela nasceu. Teremos uma carta sobre ela.

Depois da Helô, veio mais aborto. Depois Luiz Paulo. Nasceu com síndrome de down e uma falha no coração. Faleceu aos 11 meses (se me lembro bem), pois não resistiu à cirurgia. Quanto luto. Lembro da tia desmontando o berço e chorando. Foi pesado. Lembro do tio Geraldo indo na minha escola avisar. Lembro de tanta coisa. A tia passou por muita dor. Mas seguia lá, firme. Anos depois, veio o Arturzinho. Adotivo. Amor grande. Que garoto. Vai ter carta sobre ele também. Afinal, são meus irmãos. São meus primos. De certa forma, são meus filhos também.

Veio o adoecimento da Vó, veio a mudança de casa. A separação entre elas. Veio a morte da vó. Veio PAD no MPDFT, porque a tia odiava injustiça. Cara, foi muita coisa ao mesmo tempo. Aí veio depressão. Eu saí de casa nessa época. Voltei a morar com a minha mãe e meu irmão João. Tinha 21 anos de idade. Mas estávamos sempre juntas. Sempre.

A tia foi minha maior apoiadora. Pagou cursinho no ALUB. Pagou formatura do ensino médio. Me bancou na UnB. Me bancou a maior parte da vida. E não é só de grana que eu estou falando. É de amor mesmo. De doação genuína. A história dela dá um livro fantástico. Começou a trabalhar aos 12 anos de idade. Tinha boneca Rita guardada quando adulta, pra acalentar a criança pobre que um dia fora. Ela era muito linda.

No dia 01 de março de 2011, dia do meu aniversário, saiu a publicação no DF me concedendo licença para concluir meu mestrado. Tirei quatro meses para poder escrever minha dissertação. Na mesma semana, a tia descobriu o câncer. Foram 28 dias entre descoberta, cirurgia e morte. 28 dias. Graças a Deus eu tinha tempo. Minha mãe junto com o tio coordenavam a casa, as despesas, os meninos. Tia Helena e eu cuidávamos dela. Reversávamos as noites. Banho, carinho, medicações. Muita morfina. Muito olho no olho. Muito afeto. Muito amor.

Quando dava quase 03 horas da morfina, ela já começava a sentir muita dor. Mas não podíamos dar medicação. Me lembro de um dia que comecei a acariciar o braço dela e ela adormeceu. “Mãos que curam”, né? Não sabia disso na época.

A última noite no hospital foi minha. Ela passou a noite tão bem. Semblante leve. Avisei minha mãe que podia ir visita-la com os tios, pois estava bem. Às 11 horas me despedi e deixei a tia Lena lá, sozinha. Fui pra casa, estranha. Mas fui. Achei que era a noite mal dormida. Na casa dela, cochilei. Por volta das 16h acordei com o coração palpitando. Desci as escadas e fui chorar lá fora. A Sandra, que trabalhava na casa, veio me perguntar o que tinha acontecido. Eu disse que não sabia. Horas depois veio a notícia. Foi minha madrinha Eliane que me contou, dentro do banheiro da casa. E eu tive que contar para a Helô e para o Artur. Não sei de onde tirei força. Eu senti a hora da partida dela. Era 13 de abril. Eu senti... eu senti muita coisa. A gente tinha/tem uma conexão muito forte.

Voltei pra casa do tio. Tentei ajudar com os meninos. Não foi nem um pouco fácil. Na época, me tornei chefe de um núcleo na Unidade de Internação de Planaltina. Terminei o mestrado e tive os três artigos publicados. Que meleca. Até hoje não consigo olhar minha dissertação. Ela foi meu luto. Casei um ano depois.

Minha vida se tornou um vazio gigante. Busquei ocupar meu tempo com tudo que podia. Ajudar quem eu pudesse. Mas, a verdade, é que até hoje, esse rombo está aqui. Eu penso que a tia morreu por todos nós. Por todas as nossas dores. Porque ela era mãe de todo mundo.

Sabe qual foi a maior lição? Que a gente tem que cuidar da gente. Porque ela cuidou de todo mundo, mas esqueceu dela.

No ápice da minha crise depressiva, eu senti muito desejo de morrer. Nunca de me matar. E cheguei a dizer pra minha terapeuta que eu achava que ia morrer de câncer que nem a tia. Achava que esse era meu destino. Aos poucos, fui tomando consciência que essa foi a maior lição

que ela me deu. Que a gente tem que se cuidar. Pode ajudar quem quiser, mas não pode esquecer da gente. Tia, essa lição eu nunca mais esquecerei. Eu tô me cuidando muito. Vou te dar mais esse orgulho, viu? Nunca foi em vão...

E vai essa música aí... Tim cantando, tenho a lembrança dela na faxina de sábado, cantando e dançando... a tia feliz, cabelo avoado, sorriso inebriante.

Então o recado é: se cuida galera! Bora se amar e ser feliz.

E, sim, quero fazer uma constelação familiar para conseguir fazer a despedida que não fiz. Nunca consegui sonhar com ela. Quem sabe essa noite consiga.










Comentários

  1. Lu, eu escolhi a sua tia Irene como minha madrinha de crisma, sabe porque? Na verdade eu a admirava tanto, eu a chamava de tia, por consideração, mas eu queria que ela fosse minha de verdade, então, lógico! Minha madrinha, tive a oportunidade, e foi lindo, passei a chamar de Madrinha, minha madrinha amada. Ninguém escolheu por mim. Ahhh eu amava o Natal na casa de vcs, ela sempre sorridente, acolhedora. Eu a suas cartas,pq percebo Lu, o quando vc menina, fez parte da minha infância e adolescência.
    To chorando sem parar.... te Amo menina.
    Que carta linda! Te amo madrinha Irebe.

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    1. Te amo muito Dadá! Estamos coladas com super bonder. hahahaha

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  2. Corrigindo os erros, RS
    * eu amo as suas cartas.
    * o quanto. Rsrs, to chorando muito pra revisar e corrigir antes de publicar. Rs

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  3. Que mensagem linda!
    Sorri e chorei lendo...
    Você escreve muito bem luana!
    Deus te abençoe!
    Continuidade sendo essa eterna guerreira!
    Você é especial e importante na vida de muitos!
    Beijo grande! 😍😘💖

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  4. Adorei.
    Eu já imaginava que você tem mãos que curam.
    Só quem tem amor no coração tem o DOM DA CURA.
    ❤💗💓😍😍😍😍😍😘😘😘😘😘

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