Fragil-idade



Tem tempo que não coloco música aqui. Essa é especialmente pra esse texto.

Urubu, nome de pássaro que carrega consigo resquícios da morte, que se alimenta de restos daquilo que um dia foi vivo. A cachoeira tem esse nome. Talvez por ser água que corre e lava. Limpa. Purifica. Talvez porque nessa região habitem muitos urubus. Mas é verdade também que nessas águas pedaços de mim correm. Dos vários pedaços de que me desfiz. Dos lutos que lá pedi pra Oxum levar. É verdade, também, que naquelas águas correm muitas lágrimas minhas, que ali se misturaram numa espécie de limpeza interna. Flores. Ofertei muitas flores. Algumas colhi no antigo e abundante jardim da casa que habitava. Outras no caminho que percorri até chegar na cachoeira. Ali, mais acima, num lugar mais escondido, onde as árvores formam um cinturão verde, tem essas pedras onde me sentei. Elas formam uma espécie de poltrona natural. O quadril e as costas se encaixam confortavelmente. É possível apoiar a cabeça e sentir a correnteza da água, o movimento contínuo da vida. Bem ali, muitas vezes sentei. Ouvi músicas. Meditei. Li. Chorei. Sorri. Escrevi poesias mentais. Meu canto mágico afastado da tórrida realidade. Um canto no meio das águas e rodeado por árvores. A posição me permite observar o céu e o encantador movimento das nuvens. Suas várias formas e condensamentos. Os tantos tons azuis do céu. O brilho do sol que cega nos dias quentes. Ali fui me tornando mulher. Fui acolhendo minha menina. Fui sendo minha própria anciã, me nutrindo com a sabedoria da vida e com as lições da ancestralidade. Ali, a temperatura fria da água me despertava pra vida a todo instante. O movimento contínuo reforçava a lei da impermanência. Parecia tudo igual a cada vez que eu ia. Mas uma pedrinha ou outra nunca estavam no mesmo lugar. Flores novas. Borboletas. Ali pedi pra Júlia me fotografar. Queria registrar minha nudez e entrega àquelas águas, que nunca são as mesmas, e carregam tanto de mim. O luto virou luta. Se metamorfoseou em vida nova. Rendeu poesias. Escritos. Biografia. Livro coletivo. Danças. Peruca. Fantasia. Pachamama. Fraternidade. Guias. Pathwork. Fotografia. Atma.


Gratidão @julia.pa.fotografia (https://instagram.com/julia.pa.fotografia?utm_source=ig_profile_share&igshid=ig824ru7imx5)





Comentários

Postagens mais visitadas